Como novo morador da Serra da Mantiqueira fui convidado para uma pamonhada na cidade vizinha de Passa Quatro e, melhor, pamonha feita com milho criolo. Por aqui é tradição algumas famílias convidarem parentes e amigos para o ritual da primeira pamonha da estação. É trabalho completo: ajudar a colher o milho, debulhar e ralar as espigas, peneirar, fazer os embrulhos e cozinha-las...depois...comer em uma grande festa.
Ao receber o convite, lembrei da minha mãe ralando o milho, passando a massa pela peneira, embrulhando os “copinhos” e cozinhando em fogo alto por quase uma hora. Tias e vizinhas vinham ajudar no processo – a nós crianças, eu e minhas irmãs, restava o trabalho de tirar os cabelos das espigas. Junto com a pamonha também eram feitos o curau e o bolo de milho. O sinal de que já estavam no ponto era o delicioso aroma de milho verde que se espalhava pela casa; sabores e cheiros de infância que a gente nunca esquece.
Esta iguaria é oriunda dos costumes indígenas de quase toda a América Latina e parte Oeste dos Estados Unidos e foi-se adaptando de acordo com o local, tipo de milho disponível, gosto dos povos e ingredientes disponíveis para o recheio. O milho e a mandioca foram a base da alimentação indígena antes da chegada dos europeus. Na região de São Paulo, Paraná e Minas Gerais comia-se mais milho do que mandioca – enquanto que no Norte e Nordeste a mandioca predominava. Creio que é assim até hoje.
No Brasil recebeu o nome de pamonha, no México de tamales, no Peru e Argentina de humitas, na Nicarágua de nacatamal e na Venezuela, de hallaca. Cada lugar tem a sua particularidade de recheio, mistura e até tipo de embrulho, aqui ela é enrolada em folhas de milho verde frescas amolecidas em água morna; no México em palha de milho seca ou em folha de bananeira ou figueira e são recheadas com carne.
No Nordeste é comida tradicional em festas juninas e não se coa a massa; já em Goiás faz-se pamonha salgada, recheada com carne de boi, porco e, é claro, pequi. A massa pode ser doce ou salgada e os recheios mais comuns são o queijo e o coco ralado. São tantas as variações de recheio que ficaria tedioso enumerá-las. No Brasil apreciamos mais a pamonha doce criada com a chegada dos colonizadores. Como sou um cara esquecido das coisas práticas da vida, sempre que ia à feira em Curitiba aos domingos de manhã, ligava para a Elisa, minha mulher e perguntava – doce ou salgada? Doce. Era a resposta do outro lado.
Não tenho a competência de um Dorival Caymmi para escrever e musicar uma receita como ele fez com maestria na música Vatapá. É assim: Quem quiser vatapá, que procure fazer... primeiro o fubá, depois o dendê. Procure uma nega baiana ô que saiba mexer...bota castanha de caju, um bocadinho mais, pimenta malagueta, um bocadinho mais.... Bem, vamos à receita da minha mãe: o melhor ponto do milho é quando ele está nem muito mole e branquinho, nem muito duro e amarelo. Se o cabelo do milho estiver soltando é sinal que ele já não presta mais para fazer pamonha. Ao descascar a espiga jogue fora a palha externa e as próximas do sabugo deixando as maiores para fazer o copinho. Rale as espigas - aqui em Minas é comum usar um ralador feito em casa que consiste em uma chapa de metal furada com um prego grosso, depois invertida com a saída dos furos para fora e pregada numa placa de madeira. É muito eficiente. O processo mais bruto é coar e passar esta massa em peneira fina para retirar a casca do milho. Para quem não está acostumado, as mãos irão doer e os dedos muitas vezes serão ralados junto e, como dói. Tempere com açúcar a gosto, o truque é colocar uma colherzinha a mais de açúcar porque no cozimento a massa irá perder um pouco do sabor. Alguns expertes dizem para se colocar uma pitada de sal para ajudar a realçar o doce da pamonha.
Depois é só colocar o caldo no recipiente feito com a dobradura das palhas e amarrados com uma tira da própria folha ou presas com elásticos de prender dinheiro. Mergulhar em água fervente, cobrir com os sabugos e o restante da palha e deixar cozinhar por mais ou menos uma hora. É melhor não mexer enquanto cozinham porque o recheio pode se espalhar pela água.
Com a industrialização as pamonhas passaram a ser vendidas nas beiras de estrada e em carrinhos pelas cidades, isto trouxe um certo desgaste no sabor porque em vez de ser ralado e peneirado o milho é processado em liquidificador. As pamonhas ficam aguadas e muitas chegam ao ponto de venda azedas. Perde-se a tradição da feitura e aos poucos o povo vai deixando de apreciá-las e trocando-as por outros alimentos. Na zona rural os jovens já não querem mais se dar a este trabalho: colher, ralar, coar e cozer, preferem alimentos processados – esta moleza nos costumes diz bem a condição de um indivíduo preguiçoso e sem iniciativa – um pamonha – outro significado para a palavra.
Fui aos dicionários de nomes indígenas para saber a origem do nome; alguns autores dão como “pamonã - pam – bater amassar – monhã – fazer batendo”; outros com apá-mimõia – envolvido e cozido. Apareceu até a palavra pa’muñã que significa "pegajoso". Vai saber quem tem razão, eram tantas as tribos no Brasil.
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